Trote

por soaressilva

Quando criança tínhamos uma empregada que me instruía a passar trote perguntando se a pessoa não queria lamber o pirulito do Kojak. Eu não entendia o duplo sentido mas passava o trote mesmo assim, e a empregada ficava rindo na cozinha.

Eu ria também, porque achava engraçada a idéia das pessoas lamberem o pirulito babado do Kojak. As pessoas deviam ouvir a pergunta junto com a minha risada e me achar uma criança  imunda, um retrato destes tempos desgraçados. Diziam uns palavrões e batiam o telefone. Um ou outro dizia que ia chamar a polícia. Mas um dia uma mulher quis me doutrinar.

-Que coisa feia, uma criança tão bonita dizendo uma coisa tão horrorosa.

-Como é que você sabe que eu sou bonito, você nunca me viu – eu disse, mas ela me ignorou.

-Menino, você por acaso sabe do que você está falando?

-Sei.

-Do que é então?

Fiquei tão perplexo que demorei um tempo pra dizer:

-Do pirulito do Kojak, ué.

-Mas o que é o pirulito do Kojak?

Outra pausa perplexa:

-Hein?

-É o pingulim do homem.

Respirei como um retardado no telefone, tentando entender o rumo que o trote tinha tomado.

-Tem mulher que coloca o pintinho do homem dentro da boca – a mulher disse. – E é disso que você está falando.

-Não, pô.

Foi a vez da mulher suspirar.

-Tá bom, vai, fio. Vai lá brincar e não manda mais ninguém lamber o pirulito de ninguém, tá bom?

Desliguei o telefone e fui brincar, espantado com a depravação daquela mulher. Chutava a bola com força contra a parede do quintal e de vez em quando exclamava “Putz! Que mulher maluca!”.

Foi a primeira, mas obviamente não a última mulher maluca com quem falei na vida.