Toda lit contemp aspira ao nível de espertinha

por soaressilva

O destino quis colocar juntos no meu kindle dois livros muito díspares, as memórias de infância nos pampas de WH Hudson (1841-1922) e uma coleção de ensaios de Jonathan Lethem (1964-?). Li dez minutos de cada esta tarde e logo me precipitei a calcular, disso que li, a diferença não só entre essas duas almas mas entre as duas épocas. Foi um relâmpago meu de insight e brilhantismo que me deixou esturricado de sabedoria: senhores, posso dizer, agora, que compreendo esta época como ninguém.

Porque no meio das sentenças de Hudson – The pampas are, in most places, level as a billiard-table; just where we lived, however, the country happened to be undulating, and our house stood on the summit of one of the highest elevations (…) Whenever we went down to play on the banks, the fresh penetrating scent of the moist earth had a strangely exhilarating effect, making us wild with joy. (…) I have often observed that small children, when brought on to low, moist ground from a high level, give loose to a sudden spontaneous gladness, running, shouting, and rolling over the grass just like dogs, and I have no doubt that the fresh smell of the earth is the cause of their joyous excitement, e no meio das sentenças de Lethem –  Jack Nicholson dispatches Monster Brando and gets the girl (…) the real showdown between the two occurs in the middle of the film, when Brando, unarmed and undressed, wreathed in a bubble bath and facing the point of Nicholson’s gun, utterly dominates the younger actor simply by turning his appallingly fleshy back and rolling his eyes to the ceiling, daring Nicholson’s character to shoot him in the back (or perhaps to reproduce the notorious butter scene). Nicholson, understandably, quits the stage in disgust – cheguei a esta conclusão que vou dizer em seguida –  e antes de dizer que esta justaposição é arbitrária, meu pequeno mocorongo, leia quatro mil textos anteriores ao século vinte e depois quatro mil textos escritos depois do seu nascimento, e percebará por si próprio o que digo agora em palavras de ouro:

Que afinal é isto: que pouco antes do modernismo um autor, a maioria dos autores, todos os autores*, queriam soar como sábios, ao passo que hoje a compulsão é de parecerem espertos; que esta era antes a aspiração universal, a de ser um sábio barbudo, ao passo que agora é a de ser um espertinho barbudo; que antes na melhor das hipóteses às vezes os autores eram sábios mesmo, mas que agora na melhor das hipóteses os autores são espertinhos; que o estilo tendia à nobreza e à beleza, e a uma ironia gentil; que ninguém fazia muita questão de que a verdade que diziam em sentenças latinamente parrudas fosse surpreendente, e que na verdade considerariam esse aspecto surpreendente um sinal de que a afirmação não devia ser verdadeira; que estavam satisfeitos se a verdade que diziam soasse um pouco óbvia, desde que fosse verdadeira mesmo e, de bônus, nobre; ao passo que hoje todos querem ter a virtude de um raio X, mostrar o que ninguém vê, o que você certamente não viu pousado na sua própria camisa e que eles apontam com um sorriso, o que só eles vêem, o que suspeito que nem eles vêem, o que ninguém pode ver porque não está lá.

Se a atitude do autor pré-moderno era algo como “Me deixe contar alguma coisa da minha experiência, e talvez você reconheça algumas verdades que já havia depreendido por si mesmo”, a atitude do autor moderno é sempre um irritante “Enquanto você está indo, eu já estou voltando, winkwink nudgenudge oinkoink”. E eis toda a literatura contemporânea fazendo uma dança de vitória logo depois da, ou mesmo (obscenamente) durante a, sua longa frase espertinha.

*com exceção de um ocasional frívolo manganão como Jerome K Jerome, ou o autor de “Diary of a Nobody”, ou Lewis Carroll, ou Lear, que nunca quiseram parecer sábios ou nobres (mas também nunca quiseram parecer mais espertinhos que o leitor). Que Deus os tenha e guarde numa caixinha forrada de algodão, e os tire de vez em quando pra fora pra brincar.